Refinanciamento de débitos em atraso das famílias cresce em 15%

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Juros batem recorde, tornando dívidas mais caras e renegociações mais longas.

Em 2015, os brasileiros não só se endividaram mais — e nas modalidades mais caras de crédito — como correram para renegociar as dívidas que já tinham. Dados do relatório anual do Banco Central (BC) sobre operações de crédito, divulgado ontem, mostram aumento de 15,2% no volume de refinanciamento dos débitos atrasados das famílias, ou mais R$ 3,32 bilhões regateados com o sistema financeiro nacional. O total, que era de R$ 21,914 bilhões em dezembro de 2014, passou a R$ 25,234 bilhões no encerramento do ano passado, como reflexo da crise, do desemprego e da queda na renda. No caso das empresas, a procura pela renegociação foi ainda maior: o montante teve alta de 29,8%, saindo de R$ 80,366 bilhões para R$ 104,318 bilhões.

 Busca de empresas por capital de giro cai 3,5%

Para especialistas, os dados ilustram o cenário conturbado que o país atravessa, com a recessão se refletindo na dificuldade das famílias em fechar suas contas. Também chama a atenção no relatório do BC o fato de o crédito rotativo — e, portanto, mais caro — ter aumentado a um ritmo muito mais acelerado do que o não rotativo (mais barato). A tomada de financiamento por cartões de crédito e cheque especial subiu 7% no ano passado (mais R$ 12,2 bilhões), enquanto o endividamento por crédito pessoal e consignado, por exemplo, teve expansão de 1,3% (mais R$ 7,7 bilhões).

A taxa de juros do cartão de crédito atingiu 431,4% ao ano, recorde histórico. Os juros do cheque especial bateram 287% ao ano em dezembro, os mais altos em 20 anos. Os dados revelam uma piora generalizada no custo dos empréstimos para as famílias no ano passado: os juros médios subiram 14 pontos percentuais, para 63,7% ao ano; e o spread (diferença entre o custo de captação dos bancos e o valor cobrado dos tomadores) aumentou 10,7 pontos percentuais para 48%.

Às vésperas de o governo anunciar medidas para estimular o crédito, o relatório do BC revela que, com as taxas estratosféricas, a expansão dos empréstimos desacelerou. No ano passado, o volume total de financiamentos cresceu 6,6%, abaixo da previsão do BC, que era de 7%, e bem inferior ao ritmo de 2014, de 11,3%. O recuo aconteceu tanto do lado das empresas, quanto das famílias. No caso das companhias, o volume destinado a capital de giro, diretamente ligado à atividade econômica, caiu 3,5% em 2015, a primeira queda desde o início da série histórica do BC, em 2007.

Pouca demanda por crédito

O chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel, destacou que, ao contrário de 2010 (quando o governo também estimulou o crédito via bancos públicos), há pouca demanda por crédito. Ele alertou para o pacote de medidas que o governo vai anunciar, com o intuito de aquecer a economia. Segundo Maciel, é preciso cuidado para que as condições dos financiamentos não gerem, por exemplo, alta expressiva na inadimplência. Na avaliação do BC, os dados do crédito de 2015 são “benignos” e condizem com o cenário econômico.

— É importante ter atenção nas condições desses empréstimos, para que isso não venha a ter algum tipo de implicação na qualidade do crédito — destacou Maciel, reforçando a análise de alguns economistas críticos a novas medidas de estímulo a crédito.

Para o economista da Tendências Consultoria, João Moraes, o pacote do governo pode ter algum impacto na economia, principalmente se as taxas forem inferiores às do mercado. Mas não o suficiente para reverter o quadro negativo, diante do grau de incerteza e da persistência de indicadores econômicos ruins, como alta da inflação, do desemprego e queda na renda das famílias. Na projeção da Tendências, o crédito vai crescer ainda menos em 2016 (5,6% em termos nominais).

Moraes destacou o aumento no volume dos refinanciamentos, reflexo do cenário conturbado, lembrando que os bancos estão mais flexíveis em renegociar dívidas atrasadas para evitar novos prejuízos. Porém, disse que as instituições continuarão rigorosas nas novas concessões de crédito, com medo do aumento na inadimplência, e devem pressionar as taxas do cartão e do cheque especial, como forma de se se proteger:

— As taxas de juros vão continuar subindo, e a tendência é queda no ritmo das concessões.

‘Esse foi meu erro’

A microempresária Luana Suares gastou mais do que podia no cartão de crédito. E, quando veio a fatura acima de R$ 800, para não comprometer o orçamento, ela fez só o pagamento mínimo. Nos meses seguintes, a dívida veio ainda mais alta devido aos juros. O jeito foi negociar com o banco. Além de conseguir juros menores, ela conta que o fato de o cartão ter ficado bloqueado, nos três meses do parcelamento que ela contratou, ajudou ela a se organizar e quitar o débito. Luana lembra que já se enrolou mais com dívidas de banco e que tinha renegociado a fatura do cartão no início de 2014. A microempresária também já precisou renegociar a dívida do cheque especial:

— Eu estava usando o cheque especial como uma renda complementar, e esse foi o meu erro — contou. — Eu renegociei e pedi para tirarem esse crédito. O cartão eu acho importante ter, mas cheque especial, nunca mais.

Segundo Miguel de Oliveira, diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), os consumidores endividados devem evitar rolar dívidas com cartão de crédito e cheque especial. O conselho é procurar os bancos para substituir o financiamento por modalidades mais baratas e renegociar as pendências.

— O que não pode é ficar rolando a dívida porque ela vai se tornar impagável, principalmente no cartão de crédito — disse.

Ele fez a simulação de uma dívida no cartão de crédito no valor de R$ 1 mil, com taxa de 431,4% ao ano (14,93% ao mês): em 12 meses, o débito saltará para R$ 5.311. No caso do cheque especial, este mesmo valor subirá para R$ 3.871 em um ano.

Fonte: fsindical.org.br