Haverá salvação para o princípio do melhor interesse do adolescente no direito penal juvenil?

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Foto: Reprodução/Agência Brasil

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente adveio conjuntamente ao ordenamento jurídico brasileiro com a doutrina da proteção integral, inaugurando uma nova abordagem jurídica à criança e ao adolescente a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990.

Muito embora ovacionada por significativa doutrina, a mudança de paradigma não conseguiu efetuar mudanças substanciais no que tange à efetividade dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Importa salientar que o referido Estatuto teve como uma das principais pautas a superação da doutrina da situação irregular, que enxergava os então “menores” sob a perspectiva de sujeitos a serem moldados primordialmente no que toca à acepção dos valores da sociedade dita civilizada, a fim de que se evitassem indivíduos não produtivos, visando à manutenção das estruturas econômicas sociais[1].

Aliada a essa perspectiva, havia a indicação de o juiz agir como higienista[2], médico previsor, desvinculando sua atuação do cometimento de um ato ilícito, mas relacionando-a a qualquer sintoma de patologia social que um indivíduo tivesse. A interferência judicial estaria justificada apenas pelo fim supostamente proveitoso que se pretendia alcançar e, evidentemente, divorciada de qualquer espécie de consentimento por parte daquele que receberia o bondoso tratamento curativo.

Primeiramente, a intervenção do juiz “de menores” não se estendia a toda criança e a todo adolescente, mas àqueles que estivessem em situação de abandono ou fossem tidos como delinquentes. A atuação judicial menorista tinha como norte o fim de prevenção dos males sociais[3], controlar os selecionados, já os inadaptados “sob a tutela do Estado, passariam por um processo de “reeducação” e “regeneração[4]”, ainda que sem seu consentimento.

Essa rápida apresentação da doutrina da situação irregular demonstra, no mínimo, que a pretensão de superação doutrinária com um novo Estatuto é inócua se presentes mecanismos na lei que permitem a reprodução da lógica supostamente superada.

Apesar de o ECA ser claro ao disciplinar que ato infracional é toda conduta qualificada como crime ou contravenção (art. 103), ainda persiste muita resistência para se admitir a existência de um direito penal juvenil. A medida socioeducativa seria “obrigatoriamente pedagógica e não punitiva[5]”.

Sendo a medida socioeducativa protetiva, até mesmo as que acarretem privação de liberdade, evidencia-se uma face paternalista[6] exacerbada e salvacionista, como se a medida socioeducativa fosse capaz de direcionar a vida, aprimorar o desenvolvimento humano[7], enfim, tornar o sujeito apto à sociedade.

Não raras vezes, as medidas que restringem os privam os adolescentes de seus direitos fundamentais se justificam pela cláusula do “melhor interesse”, inclusive em sede cautelar.

O dito princípio, visualizado sob a ótica adultocêntrica, não apenas tem seu fundamento aniquilado, eis que inutilizada e desprezada a voz do adolescente acerca do que seria seu melhor interesse, mas é desviado completamente de seu fim, ao se alijar o adolescente de seu lugar de voz, em um contexto de um direito que ao menos deve se pretender democrático.

Dessa maneira, um princípio que, em tese, vigoraria para proteger o adolescente de ingerências indevidas, acaba sendo manipulado contra o próprio titular que deveria ser protegido.

O paradoxo não apenas demonstra que o direito infanto-juvenil necessita ser amadurecido, academicamente, mas, sobretudo, torna evidente o despreparo da classe jurídica que manipula o ECA e ainda confunde e funde institutos tão díspares, como a situação de risco (art. 98) quanto o cometido de ato infracional, os quais são enseja a consequências jurídica completamente distintas: ou medida protetiva (art. 101) ou medida socioeducativa (art. 112).

Impende concluir, a partir dessas linhas iniciais, que a única solução para o princípio do melhor interesse seria o resgate de seu verdadeiro significado hermenêutico, ou seja, destinar-se a dar voz e presença ao adolescente no sistema juvenil, de modo a não rebaixá-lo, novamente, à categoria de mero objeto do direito.

Fonte: Justificando